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Em Busca de Nexo

A História da Arte é também a história da evolução do olhar sobre a natureza. Obras de arte atestam estados de consciência peculiares. Peculiares às épocas, aos povos, à pessoa individual.
Quando falo em “evolução do olhar”, quero significar com isso a forma como consideramos, pela consciência, os estímulos sensoriais a que nos submetemos, criando e recriando, selecionando e reselecionando, e aos quais nós damos nexo.
Percebemos aquilo a que somos “formados” para perceber. Não só de forma conceitual, mas também fisicamente. Fosse o olho capaz de perceber só um pouquinho além da faixa de frequência do espectro considerado como visível (do vermelho ao violeta), ou o ouvido pudesse ouvir também fora dos habituais 300-3300 Hz, provavelmente o mundo das ações e os artefatos que usamos seriam bem outros. Talvez o mundo fosse completamente diferente.
E pela criação e uso de artefatos e dispositivos, de novo, não só físicos como também conceituais em mútua relação, vamos retroalimentando aquilo que percebemos do mundo e complexificando essa relação.
Arte é uma manifestação de revelação. Revelação induzida por conceitos a partir do que é percebido na “realidade” da qual autor e expectador participam. “Realidades” induzidas a partir dessa atividade de conceituação.
Por exemplo, algumas formas reveladas explicitamente pela arte renascentista europeia, como a perspectiva ou as regras de proporção, são sintomas de um “acordar” para um mundo dinâmico, onde passa a haver a necessidade de se lidar com variações, e variações sobre variações, no mundo das práticas. Passa a ser significativo também, o tratamento de uma dimensão cronológica mais precisa. A música e, associada a essa, o tempo cronológico, passa a ser codificado. O cálculo diferencial é desenvolvido, assim como os sistemas de campos de força, como a gravidade. Tais características fenomenológicas não seriam percebidas se não houvesse uma circunstância crítica transformadora ligada a um “modo de fazer” para que esse estado de coisas se formasse.
Da circunstância crítica transformadora da atualidade participa, acho evidente, o computador. O computador, como máquina de processamento de códigos e de representação, amplifica exponencialmente a capacidade de criação conceitual. Um campo fértil para as artes.
A chamada “ubiquidade” do computador dilui a fronteira ente autor e expectador de arte. A arte, para além dos suportes tradicionais, adquire feições coletivas, performáticas, dinâmicas e, muitas vezes, efêmeras. Seus resultados, menos orientados para a participação contemplativa, abrem-se para a criação coletiva. Uma criação coletiva que prescinde de uma linguagem comum. Uma linguagem que permita a exploração e a comunicação conceitual a partir das percepções de mundos particulares, a partir da apropriação das manifestações no mundo.
Da Furiosa Manifestação do Mundo distinguimos elementos. Estes podem variar segundo a ocasião, segundo a circunstância daquele que distingue: o sujeito.
Ao distinguirmos elementos, é por que os separamos uns de outros. Atribuímos um início e um fim àquilo que observamos. O início é o momento (ou o lugar) em que algo se diferencia de um precedente para assumir uma identidade em relação a um observador, o sujeito. O fim é quando esse algo deixa de receber o foco da atenção do observador, ou por que passa a ser visto associado com algo observado subsequentemente ou por que o foco do observador passa a outro algo completamente distinto. Só percebemos elementos por que percebemos diferenças. Por que percebemos mudanças.
As distinções de elementos acontecem dentro de domínios dimensionais. O espaço é um domínio dimensional. Nele distinguimos coisas que têm comprimento e largura, que têm volume – as identificações com formas geométricas. No espaço distinguimos qualquer elemento que varie para os nossos sentidos conforme o lugar. O tempo (cronológico) é outro domínio dimensional. No tempo, as coisas têm instantes. Momentos de mudança de estado, duração, momentos de início e de fim.
Há variações o tempo todo. Há variações no espaço inteiro. Se não houvesse, nada perceberíamos. Nada aconteceria. Podemos conjecturar que só há existência por que há mudança.
Para lidar de forma prática em um mundo de infinita enormidade de mudanças possíveis usamos técnicas de seleção e categorização de objetos.
Dentre todas as coisas que percebemos, algumas acontecem de certo jeito com mais frequência. Em outras palavras, algumas formas acontecem recorrentemente, isto é, a mesma (ou semelhantemente) forma se repete ocasionalmente. Se o uso consciente de algo percebido é recorrente em uma cultura, esse algo vem a receber um nome. Um nome identifica um padrão.
Pode haver certo padrão, certa compreensão de coisas, que não seja relevante em uma cultura a ponto de não ser sequer considerada cotidianamente (percebida como unidade para algum propósito). Pode também ser que o contexto de uso para uma mesma coisa não seja igual em duas situações diferentes, levando a identidades diferentes. Pode uma coisa ainda receber uma identificação subjetiva. Pode haver padrão que não tenha sido ainda percebido ou considerado.
Nas práticas da comunicação cotidiana, somos habituados a um “vocabulário” normal. Padrões fixos e limitados de perceber fenômenos e de modos de organiza-los. Embora muito disso seja arquetipal e útil, muita riqueza está além disso, esperando nosso próprio arbítrio.

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enviada por: steixeiradecarvalho em: 12:29 - 03/09    |    permalink    |    0 comentários    |    comentar

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