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Do arquivo: Entrevista comigo sobre Internet e Democratização da Informação

No fim do ano passado respondi a uma entrevista por email ao jornalista Alvaro Andrade, correspondente do jornal Fazendo Media sobre os impactos da internet nas nossas vidas.
Segue abaixo a matéria, a entrevista está no final desta.


18.10.2007
REVOLUÇÃO DIGITAL: INTERNET DEMOCRATIZA ACESSO À INFORMAÇÃO
http://www.fazendomedia.com/novas/cultura181007.htm
Por Alvaro Andrade, de Porto Alegre - contato@fazendomedia.com

O mundo moderno vive um fenômeno jamais visto na história da civilização. Em nenhuma era as inovações tecnológicas surgiram com tamanha velocidade e se incorporaram ao cotidiano da sociedade como ocorre desde o término da Segunda Guerra Mundial. A corrida científica protagonizada através da Guerra Fria proporcionou uma revolução ainda não compreendida em sua plenitude, tamanha sua abrangência e significado histórico. Do telégrafo de Marconi à Internet sem fio, o século XX é marcado pelo uso da comunicação como instrumento de doutrina, convencimento e dominação. Através da propaganda e da comunicação massiva, um modelo de “vida ideal" foi difundido e implantado.

As diversas formas que o homem criou para se comunicar cumpriram a rigor este papel e facilitaram o trânsito das informações e do conhecimento. Infelizmente essa função foi extrapolada e hoje a comunicação, nos moldes em que se apresenta mundialmente, é uma forma de poder não constituído.

Neste contexto surge a Internet, que a uma primeira análise soa como um expoente deste modelo globalizador e dominante. No documentário de Silvio Tendler, “Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá”, o geógrafo-tema aborda com muita propriedade o assunto. Milton Santos explica que a informação é o coração da globalização. É através dos sistemas de comunicação que as grandes empresas estabelecem atualmente os seus domínios. Mas é também através da comunicação que pode se dar a mudança rumo a um futuro mais humano. O geógrafo acredita que a tecnologia de comunicação e informática convergirá para a emancipação da cidadania planetária, corrigindo as crises de representação política por que padecem as democracias ocidentais.

Neste sentido, uma grande rede alternativa tem se estabelecido na periferia dos modelos centralizadores de profusão da informação e criando um novo conceito. Através da Internet, é possível conceber e distribuir toda forma de produção cultural, da informação ao entretenimento, bem como acessá-los de forma gratuita. Essa independência conquistada através de uma produção cultural descentralizada e diversificada, também provoca uma nova relação entre público, autores e produtores. Esse novo paradigma na sociedade da informação foi denominado "Cultura Livre" e se baseou no espírito das comunidades de software livre onde o conhecimento tem que ser acessível e a tecnologia tem de facilitar essa troca, não impedi-la. Além disso, os bens culturais tradicionais passaram a ser mais acessíveis: livros, notícias, músicas, filmes e todo o tipo de informação podem ser obtidos através de uma rápida pesquisa e com custo reduzido. (Ver entrevista abaixo)

Ventos da mudança
Em recente artigo no portal vermelho.org, Nelson Hoineff diz que "a era da massificação acabou". Na análise, o autor cita como exemplo a queda na audiência de vários programas globais. Segundo ele, o público está caminhando na direção de outras mídias "as pessoas estão desligando seus aparelhos de televisão e ligando seus computadores. Cerca de 36% dos televisores brasileiros estão desligados em pleno horário nobre. Isso nunca havia acontecido. O índice vai cair muito na medida em que o brasileiro tenha acesso à Internet em banda larga." Dados confirmam uma tendência de expansão da grande rede no país. Graças a uma conjuntura favorável - incentivo aos fabricantes, redução de juros e aumento do crédito -, neste ano, pela primeira vez na história, a venda computadores ultrapassou a de televisores, numa curva ascendente prevista até o final da década. Já o aumento da procura por notebooks ajudou o país a saltar para a quarta posição no ranking mundial de vendas.

O público brasileiro é um dos campeões mundiais em tempo de navegação, com uma média superior a países como França, Japão e Estados Unidos. Outro índice aponta que os sites já se tornaram fonte primária de informação para 7% dos brasileiros, deixando para trás meios consagrados como o rádio (4%) e as revistas (1%), e não está distante dos jornais impressos que respondem por 12%. Em 2007, o Brasil obteve o maior crescimento do mundo no número de pessoas com acesso a computadores: 44% da população de áreas urbanas já usam o equipamento e se conectam a rede mundial. Em 2002, eram a metade. Ainda merece registro o fenômeno das lan-houses na periferia das grandes cidades, que estão possibilitando o acesso à rede mundial com custo reduzido, gerando renda e trazendo informação e cultura a locais desprovidos até mesmo de uma biblioteca ou escola.
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Incluir para diversificar__
Paulo Henrique Amorim, 65 anos, jornalista há mais de 30, é um convicto defensor da popularização da rede mundial como forma de diversificar a informação. Pioneiro na tv pela Internet, hoje mantém comentários e entrevistas no blog "Conversa Afiada" onde expõe temas que não são tratados ou discutidos nos meios de comunicação tradicionais. Em artigo intitulado “Vênus perde o Laquê”, Amorim comenta a concorrência que os meios tradicionais passam a enfrentar "A chamada mídia convencional nunca mais será a mesma, um exemplo disso é que no Brasil a Internet já é mais lida que os jornais, que vêem sua receita publicitária em queda. Eu digo que a democratização da mídia vai se dar nas Casas Bahia”.

Um aspecto que revoluciona uma característica fundamental da comunicação tradicional ajuda a compreender a tendência de preferência pela Internet. Ao proporcionar a interação entre o emissor e o receptor, através dos espaços para comentários e troca de e-mails, o sistema virtual acaba com a unilateralidade na comunicação. Para o jornalista Luiz Carlos Azenha, este é o grande diferencial proporcionado pela rede. Ele acredita que a popularização crescente destes espaços vem da vontade do espectador de deixar de ser um agente passivo “O grande fato que transforma a mídia é que a audiência não quer mais ficar apenas sentada no sofá. Quer participar. E a interatividade permite isso, principalmente na Internet”. Jornalista há que mais de 20 anos, em abril passado Azenha rescindiu seu contrato com a Rede Globo e passou a se dedicar exclusivamente à Internet. Hoje mantém o site "Vi o mundo", com mais de 100 mil visitas mensais "Estreei em 2003 e o blog foi crescendo nas indicações de leitores. Troquei a Globo pelo site porque acho que o futuro está na Internet". Para ele, os blogs e sites podem dispor da mesma credibilidade dos meios tradicionais "como é que você sabe que o que vem escrito no jornal é verdade? A mídia corporativa realiza um trabalho contínuo de autopromoção, como se detivesse o monopólio da verdade. Porém, essa credibilidade vem sendo questionada com a disseminação de todas as notícias e opiniões que essa grande mídia esconde. Eu sempre pergunto: o que é que não saiu no telejornal? É tão importante quanto o que saiu”.

Paralelo ao debate sobre a concentração dos meios de comunicação, a Internet tem servido com uma importante ferramenta. Os blogs se constituíram em um espaço alternativo de informação e discussão da política nacional, onde anônimos e consagrados passaram a expor seus pontos de vista e informações diferentes das veiculadas na imprensa tradicional. O representante comercial Eduardo Guimarães, 46 anos é um destes ‘blogueiros’ anônimos que se tornou referência na crítica à mídia, em especial durante as últimas eleições e na cobertura tupiniquim sobre não-renovação da concessão do canal venezuelano RCTV "O que me levou a colocar no ar o blog é o mesmo que levaria um sociólogo, um jornalista ou qualquer cidadão a fazer o mesmo, isto é, o inconformismo com o nível da informação que se recebe". Hoje o blog lidera uma mobilização nacional concebida através da Internet. O Movimento dos Sem-mídia (MSM) deverá ser constituído juridicamente nos próximos dias, mas já promoveu uma manifestação em frente a Folha de São Paulo "eu não esperava toda essa repercussão. A expectativa era de que seria duro mobilizar as pessoas, mas vi que é possível fazê-lo. Se você levar em conta que o blog de um desconhecido levou 200 pessoas até de outros estados para diante do maior jornal do país, as perspectivas são animadoras." Quanto a utilidade do espaço, Guimarães é modesto "acredito que os blogs estão complementando a grande mídia, até por conta de omissões dela que levam as pessoas a procurar outras fontes de informação".


Entrevista: Lucas Santos, da Associação Software Livre



"É importante apresentar portais alternativos com a produção cultural que é ignorada”


Porto Alegre sedia nesta semana o Seminário "Além das Redes de Colaboração", que promoverá uma série de debates sobre temas contemporâneos que envolvem a cultura digital. A programação conta com a participação de profissionais de diversas áreas da cultura e tecnologia, que irão debater as novas formas de trânsito e distribuição da informação na era digital, com especial atenção à Internet. O evento é promovido pela Casa de Cinema POA e Associação SoftwareLivre?.Org (ASL), entidade sediada na capital gaúcha que tem por objetivo tornar o software livre amplamente incluído na sociedade.

A ASL organiza anualmente o Fórum Internacional Software Livre (FISL), que terá sua 9ª versão (9.0) em Porto Alegre em Abril de 2008. O analista de sistemas Lucas Alberto Santos, 27 anos, bahiano de Ilhéus, está no Rio Grande do Sul há três anos e divide seu tempo entre o funcionalismo público e a ONG Software Livre. Nesta entrevista concedida ao Fazendo Media aborda as diversas características que fazem da Internet e da cultura digital uma verdadeira revolução na forma de produção e distribuição da informação.

FM - Apesar de estar baseada em ícones exponenciais do capitalismo, como a globalização e as grandes corporações, a Internet pode ser considerada uma ferramenta revolucionária no sentido de "socializar" o conhecimento?

Lucas - A Internet é uma estrutura tecnológica ímpar em nossa sociedade contemporânea. Digo isso, pois esta rede é descentralizada e expõe uma dualidade paradoxal. Ao mesmo tempo permite que o capitalismo globalizado enxergue o mundo virtual como um território a ser ocupado, sem fronteiras de países e quase sem legislação, e por outro, incentiva a formação de redes anticapitalistas ao aproximar ativistas das mais variadas lutas, permitindo a livre troca de conteúdo e servindo de plataforma de propaganda para estes movimentos. De um lado temos os capitalismos hegemônicos, procurando criar um mercado virtual na internet, que incentiva o seu crescimento através da inclusão de parcelas da população excluídas digitalmente, principalmente nos países em desenvolvimento. De outro lado está a contracultura ativista procurando disseminar na Internet conteúdos revolucionários, divulgando novas formas de comércio (economia solidária, open business), novos modelos de criação cultural e técnica (software livre, redes mesh). Por isso eu considero a Internet, essa macro-estrutura que é tanto física quanto virtual, um território livre para ser ocupado e bem utilizado pelos grupos que lutam por outros modelos de sociedade.

Mesmo com os incentivos federais e o 'boom' na venda de computadores ocorrida neste ano, levará algum tempo para que o computador se torne tão popular como outros meios. Porém, já é perceptível a inclusão digital das camadas sociais menos favorecidas? Até que ponto este impacto pode gerar reflexos socioeconômicos?

É possível tomar conhecimento dos resultados da inclusão digital das camadas sociais menos favorecidas ao verificar a quantidade de brasileiros que possuem cadastro no site de rede social Orkut. São pessoas que utilizam o sistema mesmo sem possuir computadores em casa, pois acessam a Internet de lan houses, casa de amigos, telecentros e no trabalho. O brasileiro quer se conectar neste mundo virtual. Atualmente somos um povo que passa muito tempo conectado, seja na TV analógica (comunicação de 1ª via), ou seja, na Internet (comunicação de 2ª via). Os celulares são muito populares e isso é sinal de que os brasileiros aprenderam a utilizar esses aparelhos digitais e integrá-los em sua rotina. Com a maior popularização dos computadores (na classe média principalmente), a universalização da banda larga e a chegada da TV digital interativa é de se esperar uma entrada brusca de parte da população no cerne da Sociedade da Informação. A informatização da sociedade brasileira pode trazer como conseqüência mudanças na forma como a população produz e consome cultura e informação, todavia também pode levar ao desemprego de trabalhadores cujas profissões passarem a ser desempenhadas por sistemas computacionais. Os reflexos sócio-econômicos virão com o tempo, mas ainda é bem cedo para tecer previsões acerca dos resultados da inclusão digital em nosso país.

A internet é uma tecnologia muito nova e seu impacto bastante intenso, espero que nós brasileiros utilizemos cada vez mais as ferramentas de mídia alternativa, gestão de organizações e as potencialidades do governo eletrônico.

Qual o sentido histórico deste novo paradigma comunicacional que através da Internet democratiza a produção e difusão de bens culturais por todas as classes sociais?

A característica de volatilidade dos conteúdos digitais permite que a informação seja difunda de forma simples e barata. Um produtor de um bem cultural digitaliza sua obra e esta poderá ser disponibilizada diretamente para os consumidores interessados, o produtor expande então o alcance de seu trabalho. Entretanto para o bem cultural ser difundido na rede não basta que ele esteja on-line, mas que o conteúdo esteja indexado em portais de informação e mecanismos de busca. Pode-se ver que os produtores têm o desafio de incentivar a criação destes portais onde sua obra poderá ser disponibilizada para acesso. Eu imagino que continuarão existindo os portais de conteúdo puramente comercial, mas surgirão portais de cultura alternativos, com a produção cultural que é ignorada pela grande mídia oligárquica. É importante apresentar estes portais à população incluída digitalmente, para que esta possa ter acesso à verdadeira produção cultural do povo brasileiro.

Qual a principal barreira a ser vencida para que o software livre se popularize?

Sem dúvida é cultural. Precisamos ainda atingir a população não-técnica. Os softwares livres já se mostraram superiores em qualidade e segurança, mas ainda não são conhecidos pela população como alternativa de uso nos escritório, escolas e nas residências. Para se difundir, é necessário que seja utilizado nas escolas públicas, universidades, empresas privadas, cooperativas, Ongs. E nessa difusão do software livre, o estado brasileiro tem uma grande responsabilidade ao incentivar a adoção dos programas livres nas organizações públicas. O Movimento Software Livre, aqui no Brasil representado pelo Projeto Software Livre Brasil (PSL Brasil), promove a adoção dos softwares livres junto aos setores públicos, privados e sociedade civil.

Com a velocidade com que novidades tecnológicas surgem, qual a projeção para a informática de modo geral em 10 anos? A convergência dos meios de comunicação ao computados implicará necessariamente na extinção de suas formas tradicionais?

A convergência dos meios de comunicação é a tendência atual, impulsionada pela miniaturização dos componentes eletrônicos, a digitalização dos veículos de mídia como jornais, rádio e tv, e expansão dos blogs e portais de vídeo on-line. A expansão das mídias digitais não implica na extinção dos meios tradicionais como jornais, revistas e livros em papel, mas sim uma complementação. O crescimento na utilização dos portais de notícias e cultura está levando a mudanças no mercado de jornais e revistas, e a indústria fonográfica perdeu o controle sobre a pirataria com a expansão da banda larga. A comunicação digital em banda larga chega abrindo outras possibilidades de veiculação de conteúdo ao possibilitar criação de ambientes virtuais acessíveis de qualquer parte do país onde chegue a Internet. A democratização da mídia deve ganhar amplo alcance quando os dispositivos de comunicação como o celular, se conectarem a internet banda larga a um custo baixo e isso incluirá a população menos favorecida de nosso país aos portais de conteúdos multimídia hoje acessíveis apenas para as classes média e alta.

Para saber mais:
Associação SoftwareLivre?.Org: http://associacao.softwarelivre.org
Cultura Livre: http://www.culturalivre.org.br
Economia Solidária: http://ecosol.softwarelivre.org


tags: internet, software livre, informação, entrevista, lucas alberto, cultura livre, lucasa, sociedade, democratização, revolução, psl

enviada por: lucasa em: 19:21 - 19/05    |    permalink    |    0 comentários    |    comentar